O MALABARISTA (Microconto autoral)
Eu sei que já faz algum tempo desde minha última publicação, e agora gostaria de aproveitar a oportunidade para apresentar a vocês um microconto que escrevi recentemente. Espero que gostem!
"O Malabarista
Existe vida em algum lugar, ou foi o que me disseram quando anoiteceu. Eu ouvi histórias fantásticas sobre seres que sentiam e vagavam por aí, fazendo malabarismos com suas ideias e suas mágoas, e era fascinante de se ouvir.
A história era mais ou menos assim: as coisas vivas não se importavam com outra atividade que não fosse equilibrar tudo engenhosamente. Faziam isso por arte, era um estilo de vida! Em seu malabarismo, recriavam as mais ínfimas das percepções, recebiam diversas lições importantes, e nada podia se equiparar à genialidade do malabarismo de cada um.
"Deve ser mentira", eu pensava. "Nenhum ser vivo é capaz de administrar tanta existência". Eu estava certa e errada, e isso é só mais um malabarismo pra lista.
As histórias eram boas, mas não eram suficientes para encher todo o tempo que cortava a noite em pedaços, então, depois do fascínio, fez-se o ócio. Do ócio, a mente faz os mais estranhos rabiscos, e eu fiquei brincando com eles, aguardando o amanhecer.
Dos rabiscos surgiram lendas, tramas inteiras, chamas vivas que se entrelaçavam e formavam um tapete admirável. As criações foram seguindo noite adentro, mas o amanhecer não veio. Eu tentei espiar o que se passava do outro lado da imaginação, me perguntando se, por descuido do bom juízo, aqueles seres fantásticos poderiam estar por aí de fato.
Para minha surpresa, eu percebi vida, ou pelo menos era o que parecia, de acordo com o que tinham me contado. Coisinhas flutuantes que se trombavam, rodopiavam e mudavam de forma conforme sua necessidade. Faziam seus malabarismos de forma desajeitada, mas nunca deixavam de fazê-lo. Eram inquietos, e por isso foi difícil me aproximar de um deles, pareciam nunca notar o que estava fora de si.
"Por que equilibra tudo isso?", eu perguntei a um deles, observando a roda instável de sentidos e sentimentos que a coisinha tentava dominar enquanto rodopiava.
"Quem te disse que gosto disso? Eu nem escolheria equilibrar, se pudesse.", a coisinha respondeu.
"Alguém te obriga?"
"A vida obriga."
Eu olhei ao redor, surpresa. "Não há nenhuma vida aqui.", falei.
"Somos o quê, senão simples pedaços dela?", a coisinha questionou.
"Mas se você é ela, então a vida é você. Por que se obriga?", eu quis saber.
"É o que todos aqui fazem. Ninguém sabe o que fazer com tudo isso, além de equilibrar."
Eu queria alegar que eles de forma alguma sabiam equilibrar qualquer coisa, mas não o fiz, temendo soar indelicada. Às vezes, a verdade pode ser rude demais com quem é daltônico factual: só consegue enxergar as cores da mentira.
Passei mais algum tempo observando as pequenas coisinhas esbarrando-se, e por fim retornei à torre da imaginação.
Havia vida, mas não havia vivência. Não sabiam o que fazer, apenas vagueavam e tropeçavam no tempo que tinham. Não eram existências, eram apenas malabaristas. Eu estava certa e errada.
Entretanto, pensando bem, a história também tinha seus erros, porque nada pode ser tão concluso em si mesmo que não haja erros, então não era tão grave que eu também tivesse criado noções distorcidas. As coisinhas com vida não faziam malabarismo por arte, sequer aprendiam algo relevante enquanto se esforçavam em seu malabarismo, eram apenas guiadas por um eterno ciclo cirquense que jamais se esgotava, era um impulso natural, como um instinto de sobrevivência (quanta ironia, usar essa palavra agora! Quase me sinto inaqueda. "Sobrevivência"), e com certeza não eram engenhosos nisso. Tampouco podiam ser chamadas de geniais, visto que reproduziam o mesmo malabarismo vazio e desesperado há mais gerações do que a genealogia poderia contar.
Mais uma vez, esperei o amanhecer, mas ele não veio. As cores continuaram nos seus mesmos tons enevoados e repetitivos, e já não se fazia mais distinção entre o que era dentro e o que era fora, o que era vivo e o que era uma memória.
O malabarista, assim como as cores daquele crepúsculo, é enevoado e repetitivo. Talvez seja por isso que eu ainda não tenha amanhecido."
Gabby Meister
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